segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A menina e o pássaro encantado – Ruben Alves


A menina e o pássaro encantado

Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo.
Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado.
Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão…
 Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente para ti…
E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.
 Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.
E de novo começavam as histórias. A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre.
Mas chegava a hora da tristeza.
 Tenho de ir  dizia.
 Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E vou chorar…— E a menina fazia beicinho…
— Eu também terei saudades  dizia o pássaro. — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar.
Assim, ele partiu. A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada: “Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não mais terei saudades. E ficarei feliz…”
Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Ele chegou finalmente, maravilhoso nas suas novas cores, com histórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz.
Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro…
 Ah! menina… O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto. As minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias… Sem a saudade, o amor ir-se-á embora…
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar.
Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo…
Até que não aguentou mais.
Abriu a porta da gaiola.
 Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres…
 Obrigado, menina. Tenho de partir. E preciso de partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar…
E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que passava a saudade crescia.
 Que bom  pensava ela  o meu pássaro está a ficar encantado de novo…
E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra.
 Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje…
Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado e de qualquer lado haveria de voltar. Ah!
Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama…
E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento: “Quem sabe se ele voltará amanhã….”
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro.
* * *
Para o adulto que for ler esta história para uma criança:
Esta é uma história sobre a separação: quando duas pessoas que se amam têm de dizer adeus…
Depois do adeus, fica aquele vazio imenso: a saudade.
Tudo se enche com a presença de uma ausência.
Ah! Como seria bom se não houvesse despedidas…
Alguns chegam a pensar em trancar em gaiolas aqueles a quem amam. Para que sejam deles, para sempre… Para que não haja mais partidas…
Poucos sabem, entretanto, que é a saudade que torna encantadas as pessoas. A saudade faz crescer o desejo. E quando o desejo cresce, preparam-se os abraços.
Esta história, eu não a inventei.
Fiquei triste, vendo a tristeza de uma criança que chorava uma despedida… E a história simplesmente apareceu dentro de mim, quase pronta.
Para quê uma história? Quem não compreende pensa que é para divertir. Mas não é isso.
É que elas têm o poder de transfigurar o quotidiano.
Elas chamam as angústias pelos seus nomes e dizem o medo em canções. Com isto, angústias e medos ficam mais mansos.
Claro que são para crianças.
Especialmente aquelas que moram dentro de nós, e têm medo da solidão…
As mais belas histórias de Rubem Alves

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Espiritualidade X Religião

A RELIGIAO E A ESPIRITUALIDADE!!!

    Por: Carlos Drummond de Andrade




 "A religião não é apenas uma, são centenas.
 A espiritualidade é apenas uma.

 A religião é para os que dormem.
 A espiritualidade é para os que estão despertos.

A religião é para aqueles que necessitam que alguém lhes diga o que fazer, querem ser guiados,
A espiritualidade é para os que prestam atenção à sua voz Interior.

A religião tem um conjunto de regras dogmáticas
A espiritualidade te convida a raciocinar sobre tudo, a questionar tudo.

A religião ameaça e amedronta
A espiritualidade lhe dá a Paz Interior.

A religião fala do ´pecado e da culpa
A espiritualidade lhe diz " aprende com o erro"

A religião repreende tudo, te faz falso
A espiritualidade transcende tudo, te faz verdadeiro

A religião não é Deus
A espiritualidade é tudo e portanto é DEUS

A religião inventa
A espiritualidade descobre

A religião não indaga, nem questiona
A espiritualidade questiona tudo

A religião é humana, é uma organização de regras
A espiritualidade´é Divina, sem regras

A religião é a causa de divisões
A espiritualidade é a causa da União

A religião lhe busca para que acredite
A espiritualidade você tem que buscá-la

A religião segue os preceitos de um livro sagrado
A espiritualidade busca o sagrado em todos os livros

A religião se alimenta do medo
A espiritualidade se alimenta da confiança e na fé

A religião faz viver no pensamento
A espiritualidade faz viver na consciência

A religião se ocupa com o fazer
A espiritualidade se ocupa com ser

A religião alimenta o ego
A espiritualidade nos faz transcender

A religião nos faz renunciar ao mundo
A espiritualidade nos faz viver com Deus. não renunciar a ele

A religião é adoração
A espiritualidade é meditação

A religião sonha com a glória e o páraiso
A espiritualidade nos faz viver a glória e o paraiso aqui e agora

A religião vive no passado e no futuro
A espiritualidade vive no presente

A religião enclausura nossa memória
A espiritualidade liberta nossa consciencia

A religião crê na vida eterna
A espiritualidade nos faz consciente da vida eterna

A religião promete para depois da morte
 A espiritualidade é encontrar Deus
em nosso Interior durante a vida.


domingo, 10 de julho de 2011

Eterna saudades nas asas do Cuitelinho

Ai, que pena morena, que pena
Ai, que pena morena que da
Ai, que pena a viola calou
Pra fazer violeiro chorá.


Erga as asas cuitelinho
Voe sereno e sem faia
Vá buscar seu novo ninho
Onde ninguém atrapaia


Leve esta Pena Branca
Por favor nao se distraia
O violeiro não gosta 
Que o botão da rosa caia.


Passou na beira do porto
Onde as ondas se espaia
A guarça deu meia volta
Foi-se embora desta praia.


Deu adeus aos seus amigos
Despediu da parentaia
No seu peito o coração
Enfrentou forte bataia.


A sua saudade corta 
Que nem aço de navaia
Os zóio se enche dágua
Que ate as vistas se atrapaia.


Vou guardar a sua imagen 
No lugar de uma medaia
Bem juntinho do meu peito
Onde o coração trabaia.


Autor: Simão Pedrosa


sábado, 25 de junho de 2011

Esta faltando "prosa"-O mundo anda muito arredio




"Na "vorta" pra casa, o "cumpanheiro" de viagem ficou "mudim". O "radim" sem bateria liberou meus "uvidos", e foi então que "cumecei" a descobrir outros sons no vagão do trem. “É chego, não chegado!”, disse o "fio". “Claro que não, é chegado”, retrucou a mãe. “O que eu queria mesmo era uma mulher que me deixasse ficar com a mão engordurada”, zangou o "homi" com a namorada. “Mas ele não é casado?”, desconfiou uma "Muiê". “É, mas quando a gente não conhece a esposa, não conta”, esclareceu a "cumade". “Eu não acredito nisso de lagarta virar borboleta”, revelou o "meninim" pro seu irmão. Que retrucou, "marvado": “Então, espera até saber como se faz um ovo de galinha!”.Capturadas aos pedaços, fora do contexto, elas soam absurdas. Mas ouvir conversas alheias, mais do que hábito de gente metida, é um exercício antropológico: ensina-nos sobre a natureza humana, estimula a imaginação, rende risadas e reflexões. Às vezes, é uma palavra dita de outro jeito, como a mulher que citou o medo de um tal “ET de Vargínia”, ou o senhor que confidenciou: “Quando bebo, sinto dor no figo”. Adoro também um mistério repentino. “Você ouviu a última declaração do Cachaça?”, pesquei outro dia, e lá fui eu criar uma história imensa na cabeça sobre a figura. Bom mesmo é quando o improvável toma a gente no meio da rua. “O cara não tem certeza, mas dá pra saber que aquela Capitu é uma safada só pelo olhar!”, "escuitei" de um adolescente "revortado". Que belo resumo de Machado de Assis! E, mesmo na "farta" de "prosa", sempre se pode tentar a leitura "labiar", ou "inté" a livre interpretação de uma língua desconhecida. Vendo um "casar "de surdos-mudos conversar "instru" dia, os gestos me deram a impressão de um papo assim. Ele: “Sim, separou. Não tá sabendo?”. Ela: “É, e foi com uma faca bem afiada”. E pensar que essa arte de ouvir anda ameaçada pelos fones de ouvido e celulares. Pois, quando a bateria acaba, a gente descobre que é destapando as "oreias" que se "orve" o que interessa: a vida dos outros encontrando a nossa."


Traduzido para o Mineréis ...mas a mensagem é a seguinte.


Testo retirado da Revista Sorria segue aqui o link do original: http://www.revistasorria.com.br/site/edicao/conversa-afiada.php




Não há livro que ensine alguém a ter uma visão generosa do mundo, a estar nele de uma forma não arrogante.
Pode-se tentar capturar esta delicadeza natural através da observação, mas tentar imitá-la é improdutivo.
A saída é desenvolver em si mesmo a arte de conviver, que independe de status social: é só pedir licencinha para o nosso lado brucutu, que acha que com amigo não tem que ter estas frescuras.
Se os amigos não merecem uma certa cordialidade, os inimigos é que não irão desfrutá-la.
Educação enferruja por falta de uso. E, detalhe: não é frescura.







DICIONÁRIO MINERÊIS/PORTUGUÊIS/CAPIRÊIS

DICIONÁRIO MINERÊS/PORTUGUÊS/CAIPIRÊS (ispía só qui trem seu,! Prestenção... )

ENGRAÇADIMAIS - ingraçadimais, muituingraçado.
PRESTENÇÃO - é quano eu tô falano iocê num tá ovino .
CADIQUÊ? - assim..., como qui tentanu intendê o motivo.
CADIM - é quano eu num quero muito, só um poquim .
D`EU - o mez qui 'di mim'. Ex.: Larga d`eu, sô!
SÔ - o mesm qui Seu, ou o fim de quarqué frase. Qué exêmpro tamem? : Cuidadaí, sô !!!
DÓ - o mez qui 'pena', 'cumpaxão' : 'ai qui dó, gentch...!!'
NIMIM - o mez qui in eu. Exempro: Nòoo, ce vivi garrado nimim, trem!... Larga deu, sô!!...
NÓOO - Num tem nada a vê cum laço pertado, não! Omez qui 'nossa!..' Vem de Nòoosinhora!...
PELEJANU - omez qui tentanu: Tô pelejanu quesse diacho né di hoje, qui nó! (agora é nó mez!)
MINERIM - Nativo duistadiminnss.
UAI - Uai é uai, sô... Uai!
ÉMÊZZZ?! - minerim querêno cunfirmá.
NÉMÊZZZ?! - minerim querêno sabê si ocê concorda.
OIAQUI - Minerim tentano chama atenção pralguma coizz...
PÃO DI QUEJU - Iosscêis sabe!... Cumida fundamentar qui disputa com o tutu a preferêca dus minêro.
TUTU - Mistura de farinha di mandioca (o di mio) cum fejão massadim. Bom dimais da conta, gentch!!..
TREIM - Qué dize quarqué coizz qui um minerim quizé! Ex: "Já lavei US Trem!" "Qui trem bão!!"
NNN - Gerúndio du minreis. Ex: 'Eles tão brincannn', 'Cê tá innn, eu tô vinnn...'
PÓ PÔ - umez qui pó colocá .
POQUIM - só um poquim, pra num gastá muito .
JISGIFORA - Cidadi pertin du Ridijanero. Cunfunde a cabeça do minerim que si acha qui é carioca.
DEUSDE - desde. Ex: 'Eu sô magrelin deusde rapazin!'
ISPÍA - nome da popular revista 'VEJA'.
ARREDA - verbu na form imperativ (danu órdi), paricido cum sai. 'Arredaí, sô!'
"IM" - diminutivo. Ex: lugarzim, piquininim, vistidim, etc.
DENDAPIA - Dentro da pia.
TRADAPORTA - Atrás da porta.
BADACAMA - Debaixo da cama.
PINCOMÉ - Pinga com mel.
ISCODIDENTE - Escova de dente.
PONDIÔNS - Ponto de ônibus.
SAPASSADO - Sábado passado.
VIDIPERFUME - Vidru de perfume.
OIPROCÊVÊ (ou OPCV) - óia procê vê.
TISSDAÍ - Tira ISS daí.
CAZOPÔ - Caxa disopor.
ISTURDIA - Otru dia.
PROINOSTOINO? - pronde nós tamo inu?
CÊSSÁ SÊSSE ONS PASSNASSAVASS? - ocê sabe se esse ônibus passa na Savassi?
DONCOTÔ? - onde que eu tô?
DONCOVIM? - de onde que eu vim?
PRONCOVÔ? - pra onde que eu vou?"






sábado, 9 de abril de 2011

A Fisgada da Saudade

 ELA FOI RÁPIDA, LEVANTOU a mão e perguntou.

“O senhor acredita em Deus?”

A pergunta me surpreendeu porque o assunto não era a existência de Deus, mas os descaminhos da educação. Mas logo compreendi. Ela não havia ido ali para aprender sobre escolas, professores e alunos. Ela trouxera sua dor pronta e a levava por onde quer que andasse. Não era pergunta de catecismo. Era coisa que lhe doía na carne e na alma, espinho nas vísceras.

Pois não é quando a vida dói que balbuciamos o nome sagrado, pra ter esperança, pra que a vida doa menos? Quem pode dizer o nome sagrado, pra ter esperança, pra que a vida doa menos? Quem pode dizer o nome sagrado, acreditando, dorme sem sobressaltos.

Riobaldo sabia e dizia: “Como não ter Deus? Com Deus existindo, tudo dá esperança, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas… Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim, dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença para coisa nenhuma”.

Lembrei-me de R.S. Thomas, pastor e poeta numa pobre e rude comunidade rural da Irlanda. Pastor, devia saber. Porque não é pra isso que os fiéis vão à igreja, pra ouvirem do padre ou pastor que Ele existe? Mas ele de Deus só ouvia o silêncio: “Nenhuma palavra veio ao homem ajoelhado. Ele só ouviu a canção do vento. Ou o barulho seco de asas que não via, não eram anjos, eram morcegos no alto do forro da igreja. Ele não virá mais…” Nesse “Ele não virá mais…” estava toda a sua dor.

Agora, quando sinto a fisgada, busco o socorro dos poetas. Se eu tivesse me lembrado, minha resposta teria sido outra. Eu teria repetido as palavras do Chico: “Oh, metade arrancada de mim… Leva o vulto teu / Que a saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto / Do filho que já morreu…”

Saudade é um vazio que dói, presença da uma ausência, lugar onde o amor se aninhou, mas agora o ninho está vazio…

Qual é a mãe que mais ama? A que arruma o quarto para o filho que vai chegar ou a que arruma para o filho que nunca vai chegar?

Ela me perguntava se eu “acreditava”. Mas eu, como R.S.Thomas e o Chico, de Deus só tenho a nostalgia e a saudade.

Se eu tivesse me lembrado, eu simplesmente teria dito:

“Não, eu não acredito em Deus. Concordo com o poeta: Alberto Caeiro diz que não acredita em Deus porque nunca o viu. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, sem dúvida que viria falar comigo, e entraria pela minha porta a dentro dizendo-me: “Aqui estou”. Pensar em Deus é desobedecer a Deus, porque Deus quis que não o conhecêssemos. Por isso se nos não mostrou.”

Não, não acredito em Deus. O que eu tenho é aquela dor chamada saudade… A Adélia sabia e sofria: “Eh saudade! De quê, meu Deus? Não sei mais…”

Deus é essa fisgada sem nome que sinto no coração. Ela tem hora certa para aparecer: no crepúsculo. Verso de Browning: “A gente vai andando solidamente pela rua e, de repente, um pôr-de-sol… E estamos perdidos de novo”.

“Por causa dessa dor sem nome eu acendo meus altares com poesia e música para colocar beleza no abismo escuro…”

Não, não acredito em Deus. Mas sinto a fisgada…

RUBEM ALVES- Folha de S.Paulo